A bíblia fala-nos da Nudez desde as primeiras páginas, naquela simbólica da Grande Esperança para a Humanidade que é o relato de Génesis: “Os dois estavam nus mas não sentiam vergonha” (Gn 2, 25) Esta Nudez é uma linguagem da verdade mais vital e inteira. Não precisar de se cobrir - isso é não sentir vergonha - não ter receio de se entregar, não temer mostrar-se, tudo isto é linguagem que nos introduz no território de uma confiança absoluta e de uma perfeição que nos habituámos a chamar “Paraíso”!

Esta Nudez não é a que se cobre com roupas, é a que se dissimula com máscaras. O atentado à Nudez é a desconfiança e, depois, a acusação. “Não-fui-eu!” é o estilo veneziano da nossa máscara mais original.

A Nudez é sempre lugar de Intimidade e Debilidade. Estar nu diante de outro é tornar-se para ele chão sagrado, e felizes aqueles que encontram quem perceba isso. A Nudez de Job diante de Deus e de si mesmo, a Nudez daquele homem sem raça, nem nacionalidade, nem tempo, é uma porta de entrada para o jardim da nossa própria Nudez, da maneira como Nus dizemos e Nos dizemos.

Esse é o grande desafio e estímulo de voltar a ler o Livro de Job, como quem se dispõe a fechar os olhos para se entregar às mãos que, minuciosa e carinhosamente, nos vão tirando farrapos do corpo e vendas dos olhos. São as mãos hábeis e suaves do anónimo Contador da Estória - como tantas vezes são anónimos os que nos fazem bem - que, em cada coisa que nos diz do seu Job e dos amigos que lhe arranjou, parece que conhece a cartografia interior em que nós próprios fomos assinalando os lugares dos nossos sofrimentos e os descaminhos das nossas angústias.

Talvez o pior do Livro de Job seja o fim. Ou então sou eu que me estraguei e deixei de encontrar piada nos contos de fadas. No fim, magicamente, tudo fica bem: venha o genérico. Espontaneamente, a felicidade reaparece num segundo e, ainda por cima, duplicada! Quase apetecia pedir ao Contador da Estória que tivesse terminado antes, imediatamente antes deste fim tão Disney.

Mas ele ficaria zangado comigo. Porque, à sua maneira, ele quer meter-nos pelo corpo dentro uma Esperança capaz de vencer todos os medos, sofrimentos e absurdos! O Torga é que sabia disto. Ele que escreveu o suor do douro, as lágrimas dos pobres e o silêncio abrupto das coisas brutas, ele entenderia bem o Contador, o que não admira, se é verdade que os poetas se reconhecem entre si: “ESPERANÇA. Quero que sejas / a última palavra / da minha boca. / A mortalha de sol / que me cubra e resuma.”

À sua maneira, o Livro de Job quer-nos levar até aqui, até esta urgência d’esperanças, como quem leva dentro a necessidade de parir um mundo Outro e Novo. Por isso é que, a culminar uma confissão intensa de Job, o Contador lhe consegue arrancar as palavras que mais nos interessam: 


“Onde está a minha Esperança?
A minha Esperança, quem a viu?” 

(Jb 17, 15)